por Júlia Aliano e Rubens Torati
A língua é apenas um instrumento técnico, mas quando ela é usada como ferramenta para se conectar com a sociedade, produz um sentido ainda maior. Nesse aspecto, a linguagem inclusiva não apenas aborda os marcadores de gênero, mas também visa eliminar vocabulários racistas, capacitistas, etaristas e LGBTfóbicos. Em que lugar esse tipo de linguagem, dentro do ecossistema jurídico, está? Como escrever de maneira inclusiva sem desconsiderar as regras gramaticais e incluir seu discurso a todas as pessoas?
Primeiro de tudo, conheça a língua!
A determinação do gênero em português é influenciada predominantemente pelos artigos, em vez das vogais temáticas. O gênero é determinado pelo artigo que acompanha a palavra. Exemplos: “O motorista”. Termina em A, mas não é feminino. “O poeta”. Termina em A, mas não é feminino. “A ação, depressão, ficção”. Todas essas palavras que terminam em “ÇÃO” são femininas, apesar de terminarem com O.
O uso do masculino genérico pode ser considerado como um falso neutro. Quando se fala “todos” é diferente que dizer “todas as pessoas”, porque o primeiro não inclui pessoas que se identificam como queer, não-binário e agênero, tendo em vista que seu uso sempre foi colocado para pessoas cisgênero (que se identificam com o gênero que é designado quando nasceram, associado ao sexo biológico). Já no segundo caso é trazido o parâmetro “Pessoas”, em que todos os gêneros estão inclusos.
Então devemos usar tod@s ou todxs?
Podem até parecer boas opções, mas não se engane! A diversidade e inclusão é para todas as pessoas, sem exceção! Além desse uso não estar de acordo com a gramática, o emprego de @ e x pode dificultar a leitura para pessoas com deficiência visual, dislexia e analfabetismo funcional que usam leitores de tela ou ferramentas táteis, de acordo com a superfície de texto escrito.
Por este motivo, usar o “e” no final de certas palavras acabou se tornando uma alternativa. Porém, esse emprego não é aplicado a pronomes possessivos (“seu/sua”), pronomes indefinidos (“algum/algumas”), artigos definidos (“o/a”) e artigos indefinidos (“um/umas”). Além disso, terminar uma palavra com “e” não faz com que ela seja neutra (alface termina em “e” e é feminino; elefante termina em “e” e é masculino). Todos esses empecilhos fazem com que a linguagem não seja 100% eficiente.
A não marcação de um gênero também é uma marcação! Quando se deixa de tratar “todos” e torna-se “todas as pessoas”, o discurso se torna mais aberto e passa a integrar o todo.
A língua é viva e transformá-la é prosperar inclusão
Considerada um instrumento técnico, a língua é usada como ferramenta para se conectar com a sociedade, transmitir ideias, informações, inquietações e trazer o outro para dentro. Com isso, a variação e a diversidade linguística devem ser colocadas em prática em todos os âmbitos.
Em vez de impor uma única norma linguística como padrão absoluto, é necessário celebrar e acolher a multiplicidade de formas de expressão, dialetos e variações linguísticas presentes.
Vale lembrar também que adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, emocionante, livre, doente etc.
Então, quais estratégias são mais eficazes para lidar com essa questão?
1. Opte por frases generalistas: evite o uso de artigos sempre que possível! Por exemplo: “todos estão convidados”, pode ser substituído por “todas as pessoas estão convidadas”.
Aqui na Legal Sensory Design, preferimos utilizar o termo “pessoas”, substituindo as flexões de gênero por essa palavra ou por outras igualmente neutras (por exemplo: profissionais da educação). Essa abordagem não apenas resolve o problema, mas também confere ao texto uma atmosfera mais inclusiva.
2. Revisão de expressões de gênero: Evite expressões associadas a um gênero específico, como “o homem/mulher da casa”, substitua por “a pessoa responsável da casa”.
3. Evite suposições de gêneros: Em muitos casos, é possível reescrever frases de maneira a não presumir o gênero da pessoa a quem se está se referindo. Por exemplo, ao invés de dizer “o homem/mulher do grupo”, pode-se utilizar “uma pessoa do grupo”.
4. Entenda seu público e quem você deseja alcançar: seu discurso é munido de ideias que levam ao outro querer ou não seguir com seu serviço, por exemplo. Ao trazer essa fala, se atente a quem você deseja impactar e comunique a todas as pessoas.
5. Escute quem te acompanha, peça feedbacks: as sugestões do seu meio são sempre bem-vindas e agregam para ganhos futuros. Por isso, valorize o diálogo e a colaboração de quem sente na pele.
A comunicação é chão para a inclusão caminhar
É fundamental recordar que essa discussão integra um contexto mais abrangente: o da comunicação. Para que ela ocorra de maneira eficaz, é essencial que a mensagem seja compreendida por aqueles que a recebem. Além disso, é fundamental também considerar o contexto e o ambiente em que você se encontra. Dessa forma, será possível empregar a linguagem mais apropriada para garantir que as pessoas se sintam incluídas.
Relembre-se que as mudanças devem refletir a realidade, destacando-se a relevância desses temas na contemporaneidade. Aliás, isso já aconteceu antes, como no caso da expressão de tratamento de deferência “vossa mercê”, que se transformou sucessivamente em “vosmecê” e “você”.
Mais do que isso, na linguagem inclusiva e neutra temos uma oportunidade para fomentar discussões sobre o machismo e as questões de gênero, visando transformar comportamentos prejudiciais na sociedade.
A língua é viva e continuará se transformando diariamente. Tenhamos atitude (palavra que termina em “e” e é feminina). E vamos lutar por uma linguagem mais acolhedora e humana.
Compartilhe esse artigo para que mais pessoas possam entender sobre linguagem neutra e colocar em prática a diversidade e inclusão.